terça-feira, 29 de junho de 2010

Povo




A gente se sente como uma pesca viva amassada dentro de uma condução, seja ela ônibus, metrô ou mesmo lotação.
Dizem que a gente se acostuma, não acho, não creio que a gente se acostume. Acho que...é, acho que a gente realmente se acostuma, sinto que nos calamos, engolimos a seco como a farinha do almoço. O silêncio sem sucesso corta a garganta na ânsia de se libertar.
A gente se sente palhaço, acreditando há anos, nas promessas dos governantes, nos descontos dos feirantes, nas dozes vezes sem juros, no aumento de salário há muito esperado, na promoção sonhada, no príncipe encantado, no muito obrigado.
A gente nem precisa de espelho para ver que o nariz continua cada vez mais vermelho . No andar apressado vejo que não existe somente um palhaço.
A gente se sente tão só neste mundão lotado, parece que nossas idéias, nossos ideais são somente brilhantes para nos mesmos, parece que somente o nosso sol nasce à leste, parece que somos todos surdos, mudos, cegos , se não somos, fazemos questão de tapar os ouvidos, a boca, os olhos e nos fingimos de rocha, sem sentimentos apenas com sedimentos, sem sentidos sem....
Não choramos mais, não notamos mais as perdas, vivemos em bandos isolados preocupados somente com o nosso próprio bem estar, nos tornamos criaturas unitárias, unilaterais, unicoração, unipensamentos, unisentimentos.
A gente vive a noite e dorme de dia, vive o dia e não dorme a noite, perde a noção do dia. Nos bares, a noite ganha sentido, corremos sem direção, falamos, mas, não indagamos, não perguntamos mais porques?
Não sonhamos tão mais, não acreditamos mais, não sorrimos mais, não agradecemos mais, não sentimos mais, brigamos com nos mesmos. Não libertamos nosso coração, brigamos com a vontade e sobrepomos a ela a verdade, porém a verdade da conveniência a verdade que a sociedade acredita ser verdade. Nossos sonhos não acordaram ainda , não somos.... nunca fomos ou fomos? Fomos!
Porém, o que um dia fomos se foi e, não conseguimos colocar nada no lugar. Nos tornamos massa sem peso, somos garrafas sem líquido, somos a continuação do teclado, somos qualquer peça do carro, somos o carro!
Nos tornamos a sociedade que Gepeto desenhou, nosso nariz não para de crescer , mentimos para este , mentimos para aquele, mentimos todos os dias para nos mesmos ....ah mentimos para nos mesmos...
Nos maltratamos , nos sufocamos, nos mutilamos a cada dia.
Somos juizes dos outros, somos o dedo que em riste acusa. Somos a semente que não vingou, somos a gema do ovo que não nasceu.
Mas, éramos o grito, tínhamos sonhos, tínhamos propósitos, éramos a lágrima que caia dos olhos de um irmão quilombola, torturado, massacrado. Éramos o sonho da República, erámos a Revolta da chibata, éramos o direito adquirido, éramos a passeata dos cem mil, a greve generalizada, éramos a indignação, éramos a semana da arte moderna, éramos o morro, a favela, a periferia, éramos Cartola, Geraldo Filme, Tom Zé, Tropicália, éramos o Cinema Novo, a vitória de setenta, éramos o não! Éramos as diretas já éramos, éramos o fim da ditadura, éramos bem mais vermelhos, éramos a história que hoje é contada, éramos o povo , agora não somos mais , não mais....

Ps: Esse texto foi escrito por mim há exatos 8 anos.

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