sábado, 26 de fevereiro de 2011

PORTA-RETRATOS

Traz nos olhos um sorriso de menina, largo, verdadeiro. Tem nos gestos a inquietação própria da idade. Ao longo dos cabelos há fios ondulados de tranças recém desfeitas.

O vento incessante não perdoa, bagunça os fios validando a responsabilidade pela liberdade que a menina acabou de conquistar. Ela não se intimida, com fios rígidos, segue sorrindo.

Ela está assim. Sua retina guarda parte das histórias que aos livros não interessa. Histórias de amores e dores, felicidades e dissabores. Histórias. Não há quem não perceba que além de cores vibrantes em seus olhos habita lembranças.

Menina de pouca fala; sorriso nos lábios, e pouco jeito com o toque. Traz em sua recém descoberta câmera o que na memória não cabe mais.

Trata cada clic como palavras e com vários clic’s forma frases. Escreve mais com a luz do que com hastes de madeira ou plástico. Pouco estudo, muita imaginação. Assim ela está.

No papel não há cores aparente, há contrastes, tanto de luz como de situações. É uma poetisa do olhar. Carrega consigo palavras imagens, imagens que depõem mais que um varal de palavras. Algumas nítidas, outras desfocadas ou emboloradas pela ação do tempo. Assim ela rascunha a vida.

Parece que desde pequena não pôde confiar apenas em sua memória. Essa, parece traiçoeira e de pouca confiança para acompanha-la nesse longo e curioso caminho que é viver.

A menina que sorria cada vez menos com os olhos deseja que pessoas leiam e contem suas histórias. Pois dela se sabe cada vez menos. A ordem era a que menos importava tudo estava nela. O vir antes ou depois é o que menos ocupava espaço em suas preocupações.

Como um papel pode perder a cor assim? Sem água, sem éter, sem químico.

Talvez ela não seja tão menina, talvez seus cabelos não sejam tão ondulados e rígidos. Talvez o papel não tenha amarelado, talvez não tenha histórias para ter memória. Talvez, não menos que talvez, nada seja tão talvez assim.

Será que é assim que ela quer? Será que é assim que deseja que seja.

Ela vive em uma casa pequena quase sem abertura para entrada de ar. Ás vezes respira algumas meias verdades e se alimenta de luz doada por frestas do seu pequeno espaço. Seu coração não tão pequeno é relicário de focos de luz. Esta não encontra vazão pelos olhos. Estes estão bem mais preocupados em refletir do que em emanar sua própria luz.

O sorriso desapareceu dos olhos e de todo o rosto. Por mais que procure não encontra. Os fios que eram ondulados agora são ralos, dispersos quase inexistentes.

Ela não é mais tão menina é uma mulher com cheiro de senhora. Sabe um cheiro que não se detecta a origem, não é de suor nem de perfume tampouco de sujeira. É um cheiro de gente, dessa gente que já viveu muito e que guarda nos poros uma memória olfativa rara. Um desses cheiros que sentido ao longe merece respeito.

O papel bem mais amarelado indica um tempo, um rosto, um olhar estático quase morto, sem luz. Um olhar duro que não perdoa. Pouco escrevia com hastes, assim procurava luz. Ora emprestada ora refletida. A sua, não encontrava vazão.

Era uma senhora que um dia foi mulher e viveu pouco tempo como menina. Não trazia no cabelo longas tranças porque não tinha mais cabelo, mas poderia tê-las se cabelo tivesse.

Por - Renata Martins – 26 02 2011.

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